Nesta semana, escrevemos acerca do modelo das sociedades desportivas dos clubes com maior média de espetadores nos estádios e, simultaneamente, com mais sucesso desportivo no panorama europeu, transpondo esta análise para o futebol português, em particular no que respeita ao Sporting Clube de Portugal.
Analisando detalhadamente a última década da Champions League, temos então os seguintes vencedores:
4 títulos – Real Madrid 2 títulos – Chelsea e Bayern Munique 1 título – Liverpool e Barcelona
Em resumo, 7 dos 10 títulos de Campeão Europeu da última década foram conquistados por clubes controlados e dominados pelos respetivos sócios, como são os casos de Real Madrid, Barcelona e Bayern Munique.
Olhando para o ranking da UEFA, em função da participação dos clubes de cada país nas competições europeias, é indiscutível que existem, efetivamente, cinco nações que se encontram bastante acima de Portugal no panorama futebolístico europeu, como são os casos de Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália e França. Ora, para além dos 3 países representados pelos vencedores da Champions League na última década, nenhum clube francês ou italiano conquistou este importante troféu, pese embora os elevadíssimos investimentos efetuados pela Juventus e PSG nos respetivos plantéis. Por outro lado, as assistências médias de espetadores nos estádios destes 2 países nunca se aproximaram dos anteriormente citados.
Por outro lado, se considerarmos o top 5 de clubes em termos da maior média de assistências nos diferentes campeonatos europeus, temos: Borussia Dortmund, Manchester United, Bayern Munique, Barcelona e Real Madrid. Destes 5 clubes, apenas o Manchester United é controlado por investidores privados sendo que, neste caso em concreto, existe um elevado grupo de adeptos muitíssimo descontentes com os atuais proprietários, tendo já fundado o FC. United of Manchester.
Entre os argumentos mais utilizados por conhecidos sócios do Sporting na Comunicação Social Portuguesa, favoráveis à perda da maioria do capital social do clube na Sporting SAD é que, nos clubes mais poderosos da Europa, as respetivas Sociedades Desportivas pertencem a investidores privados ou que, no caso do Real Madrid e Barcelona, apesar destas não existirem, ambos se regem por Assembleias Gerais Delegadas. No caso do Real Madrid, aproximadamente 2.000 delegados, sendo que, no caso do Barcelona, as AGs têm aproximadamente 4.500 delegados. Já no que respeita ao Bayern Munique, o clube mais titulado da Alemanha e um dos mais titulados da Europa, nem Assembleias Gerais Delegadas existem, continuando o clube na senda de conquista de títulos nacionais e europeus. Ainda a respeito deste clube, importa salientar que na sua última Assembleia Geral Ordinária Anual, antes do início da pandemia, a qual decorreu em 2019, estiveram presentes mais de 6.000 sócios!
De fato, estabelecer um nexo causal entre o sucesso desportivo do Real Madrid e do Barcelona e o fato de isso se dever a ambos os clubes terem Assembleias Gerais Delegadas, quando se sabe de antemão que nas eleições que elegem os Órgãos Sociais de Real Madrid e Barcelona podem participar todos os sócios com capacidade eleitoral ativa, e não apenas os sócios delegados, é de uma desonestidade intelectual a toda a prova, demonstrativo da demagogia ou falta de conhecimento dos já referidos sócios, os quais escrevem nos jornais, ou aparecem na TV, a argumentar a favor da alienação da maioria do capital social do clube na Sporting SAD a investidores privados. Para além de Real Madrid e Barcelona, também o At. Bilbao tem o mesmo modelo de funcionamento em termos de associação desportiva. Contudo, existe uma caraterística identitária que o diferencia podendo, potencialmente, limitar o sucesso desportivo da sua equipa de futebol, dado manter a opção de apenas competir com jogadores bascos. Na última década do futebol espanhol, as associações desportivas dominadas pelos seus sócios ganharam 8 títulos de Campeão Espanhol (Barcelona-5 e Real Madrid-3) e a Sociedade Desportiva do At. Madrid, dominada por investidores privados, foi campeã apenas por duas vezes.
Por outro lado, o modelo alemão é constantemente ignorado pelos mesmos sócios do Sporting que são defensores da alienação da maioria do capital social da Sporting SAD a investidores privados. Nos últimos 10 anos, o Bayern Munique foi campeão da Bundesliga por 9 vezes, tendo o outro título sido conquistado pelo Borussia Dortmund. Ambos os clubes, que se encontram no Top 5 da média de espectadores de clubes europeus, são clubes dos sócios, onde os mesmos têm participação democrática nas tomadas de decisão dentro do próprio clube. Entre os acionistas minoritários do Bayern Munique, encontram-se empresas de referência como a Audi, Allianz e Adidas.
O futebol alemão tem como característica a regra dos 50%+1, o que proíbe que os clubes tenham acionistas privados maioritários. Porém, há excepções, que normalmente contam com a rejeição de grande parte dos sócios dos outros clubes. Somente clubes que tenham recebido investimento ininterrupto e significativo, de investidores minoritários, durante pelo menos 20 anos, podem escapar a esta regra, como ocorreu com o Hoffenheim, que pertence a Dietmar Hopp como acionista maioritário, ou o Wolfsburg e o Bayer Leverkusen, que contam com uma relação histórica com a Volkswagen e a Bayer, respectivamente. O RB Leipzig, por sua vez, é um clube fundado em 2009 e que ascendeu rapidamente das divisões regionais para as primeiras posições da Bundesliga. Com o apoio da Red Bull na sua retaguarda, o clube conseguiu “driblar” a lei dos 50%+1 e, por isso, tem tido uma forte rejeição da maioria dos adeptos dos outros clubes.
Muitos clubes alemães têm um grande número de sócios nas suas associações desportivas, os quais não servem apenas como uma fonte significativa de receita, mas também têm direito de voto, fazendo os mesmos parte do processo democrático de tomada de decisão dentro do próprio clube. As excepções da regra “50%+1” são frequentemente criticadas, principalmente pelos sócios que argumentam que tais práticas de mercado irão destruir os valores tradicionais do futebol, defendendo que investidores privados maioritários vão trazer demasiada “comercialização” ao desporto e que os clubes podem cair nas mãos de aventureiros, com o consequente aumento do preço dos bilhetes e redução dos espectadores nos estádios. Muitos sócios dos clubes acreditam que a regra do “50%+1” assegura mais estabilidade e protege os clubes do risco de maus investidores, mantendo o poder de decisão nos seus sócios.
Entre os argumentos utilizados na Alemanha para a manutenção da Regra “50%+1”, destacamos: “O futebol une centenas de milhares de pessoas todas as semanas. Ele não pertence a indivíduos, companhias ou investidores. Ele pertence a todos nós e não se deveria tornar cada vez mais um brinquedo de poucos. A omissão ou o relaxamento sobre a regra, poderia mudar fundamentalmente o futebol. A pressão competitiva aumentaria sobre todos os clubes. O poderio financeiro de alguns destes poucos donos poderia, repentinamente, ser mais importante que o trabalho sólido de outros. No fim, serão sempre os mesmos que lucram. Isso não é o melhor para os adeptos, sendo que a responsabilidade social fica mais fraca. Muito se discute sobre a competitividade internacional da Bundesliga. Mas queremos realmente orientar-nos pelos salários insanos de Paris ou pelo mercado maluco da Inglaterra? Em vez de se lançar um debate sobre como o futebol profissional está ficando cada vez mais distante da realidade quotidiana em muitos aspectos, é a regra do “50%+1” que é posta em debate. Mas não deixaremos que ela se vá. A maioria dos clubes não vai conseguir um Roman Abramovich que, em primeiro lugar, quer ver o seu Chelsea ganhar. A maioria dos investidores querem mesmo é ganhar dinheiro. E onde é que eles o obtêm? Dos espetadores! O espetador alemão, tradicionalmente tem laços estreitos com o seu clube. E se ele tem a sensação de que não é considerado como um adepto, mas antes como um cliente, teremos um problema. Esse é o espírito que diferencia o futebol alemão dos demais. Todos querem ser parte do clube, não querem ser tratados como clientes. Essa é a grande diferença! De momento, há mais dinheiro em Inglaterra, mas talvez daqui a 20 ou 50 anos, possamos mostrar que o nosso modelo é o melhor”.
Na nossa opinião, de acordo com as razões acima explicadas, o modelo alemão “50%+1” é o mais sustentável no que respeita à perspetiva de desenvolvimento do futebol a longo prazo, pois não gostaríamos de ver um “Red Bull Sporting Portugal” ou um “Sporting by Apollo”, sendo que a perda de maioria do capital social da SAD por parte de um clube será sempre um caminho muito difícil de reverter, como é o mais recente exemplo do que se tem passado com o Clube de Futebol “Os Belenenses”. Obviamente, a transposição do modelo alemão para a realidade portuguesa deverá ter em consideração as especificidades muito próprias do nosso país, e no caso do Sporting, as condições muito particulares da vida associativa do clube.
Mais, o Sporting Clube de Portugal tem, adicionalmente, uma matriz eclética de clube multidesportivo a qual, muito provavelmente, apenas no Barcelona encontrará paralelo, em termos de conquista de títulos europeus. Entendemos que esta identidade diferenciadora, relativamente aos outros clubes, reforça ainda mais a incompatibilidade com a perda de maioria do capital social do clube na sua Sociedade Anónima Desportiva, sob pena de se colocar em risco a dinâmica de sustentabilidade financeira das atividades desportivas desenvolvidas no âmbito do próprio clube.
Esperemos que os conhecidos sócios do Sporting Clube de Portugal que, publicamente, têm defendido, nos últimos tempos, a perda de maioria do capital social da SAD por parte do Sporting Clube de Portugal, coloquem os “olhos” no modelo alemão (50%+1), no qual estão incluídos alguns dos maiores clubes da Europa como o Bayern Munique e o Borussia Dortmund, e no modelo espanhol de associação desportiva, de que são exemplos outros enormes clubes europeus, como são o caso do Real Madrid e o Barcelona.
Como disse um dia o Visconde de Alvalade: “Que o Sporting seja um grande Clube, tão grande como os maiores da Europa”.
Hoje e Sempre Sporting!